A diversidade de gênero nos conselhos: como sair da intenção para ação?

*Por Pedro Melo, board member do Advisory Board do 30% Club Brazil

Algumas empresas têm demonstrado certo interesse em incorporar a diversidade de gênero à governança de suas organizações. Mas a maioria delas não avança, muitas vezes, na totalidade desta tarefa – falta a inclusão.

Podemos observar isso, a começar, pela recente análise que avaliou gênero e raça em companhias de capital aberto – feita pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, o IBGC. Quase 83% da amostra de 394 empresas tem alguma mulher atuando em órgãos da administração. Entre os 6.323 cargos na administração analisados, apenas 15,8% são ocupados por mulheres. Ou seja, vemos que elas estão presentes em espaços que administram uma organização, mas nem sempre elas estão nas posições de tomada de decisão nestes contextos. 

O que tenho visto, ao longo de minha jornada como executivo e conselheiro, é um certo desafio para os administradores em criar valor, a partir da diversidade, é uma dificuldade sair da intenção para ação. No entanto, além de ser um imperativo ético, a pluralidade, em suas múltiplas formas, é sim um meio para mitigar impactos negativos e ampliar os positivos na sociedade, dessa forma abrindo caminhos para resultados mais sustentáveis. 

De acordo com o estudo realizado pelo ABRH, Sistema B e IBGC, em 2021, a dualidade entre intenção e ação já acontecia. Afinal, metade das empresas analisadas diziam ter políticas ou programas internos focados em diversidade e inclusão, entretanto, quando se olhava para as ações implementadas, apenas pouco mais de 10% dos respondentes adotavam alguma prática de estímulo à ampliação da pluralidade no processo de escolha de conselheiros.

Ainda neste mesmo estudo, os dois principais temas que as organizações apontaram ter desenvolvido ações foram: multiplicidade de gênero e raça. Contudo, 55,6% das entidades avaliadas diziam não considerar nenhum critério de diversidade para programas de formação de liderança. Se olharmos para a diversidade de gênero, cerca da metade das empresas diziam não ter metas para ampliar a participação de mulheres. 

Observa-se a equidade na maioria das vezes como pauta de reuniões, tópico abordado em eventos e assunto presente nos discursos dos líderes e tomadores de decisão. Mas pouco se fala sobre os planos estratégicos no tema para ampliar a representatividade da nossa sociedade dentro das nossas empresas. O resultado disso? A construção de determinados estigmas e de justificativas que se apoiam nos discursos de que não há mulheres preparadas para posições da alta gestão, mas isso não é verdade.

Tive oportunidade de ser mentor do Programa Diversidade em Conselho, o PDeC, uma iniciativa que visa aumentar a participação de mulheres em conselhos. Para isso, a iniciativa prepara as participantes para acelerar o seu ingresso nesses colegiados, a partir da troca de experiências, aprendizados, curso personalizado e fortalecimento do networking empresarial. 

Mais de 200 mulheres já passaram por ele e cerca de 63% delas já assumiram assentos em conselhos ou em comitês de assessoramento. A estatística é bem expressiva e esse número vem aumentando, afinal, todo ano há turmas de mulheres que combinam seus diferentes tipos de qualificação, experiência profissional e competências comportamentais para agregar a essa frente. E isso se dá há algum tempo. Com a realização do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), e apoio institucional da B3, Egon Zehnder, International Finance Corporation (IFC) e Women Corporate Directors (WCD), o programa completará 10 anos em 2024.

Provoco, então, uma reflexão: se reconhecemos o valor da diversidade e se sabemos que mulheres qualificadas podem ocupar posições de liderança e que conselhos mais diversos são melhores na gestão de riscos e na tomada de decisões responsáveis, devido à variedade de habilidades presentes, então por que ainda vemos uma sub-representação feminina?

Eu gostaria de propor alguns caminhos para pensar essa questão. 

O primeiro é o compromisso com o enfrentamento a esse contexto. É necessário que o tom venha do topo, mas que os líderes estejam de fato comprometidos com essa causa. A consciência empresarial voluntária com a realidade de nossa sociedade, nossas empresas e, consequentemente, com pessoas, é o ponto de partida para mudar este cenário desigual.

Como membro do Advisory Board do 30% Club Brazil, a diversidade de gênero dá a largada no debate, mas ela abre espaço para apoiar ações quanto aos seus diferentes tipos considerando etnia, deficiência, sexualidade, contexto socioeconômico e muito mais. A consciência e o letramento da alta gestão são os primeiros passos, inclusive, para uma mudança de cultura na organização. 

O segundo caminho tem a ver com as ações afirmativas. Muitas vezes, a ausência delas é o que faz as empresas falharem em suas ações estratégicas de diversidade, assim como mencionei no início deste artigo. E alguns levantamentos já vêm mostrando que organizações que estão na vanguarda dessa agenda performam melhor no mercado em relação a vários critérios como: inovação, lucratividade e conquista de novos clientes. Estudo da consultoria McKinsey &Company, de 2020, o chamado Diversity Matters, mostrou que empresas com políticas de diversidade étnica e racial, por exemplo, aumentam em 35% suas chances de terem rendimentos acima da média no mesmo setor.

Por isso, precisamos começar pela capacitação de pessoas. É necessário treinar todo o ecossistema da companhia para que não só o conceito seja compreendido, mas praticado principalmente no enfrentamento dos vieses inconscientes e das marcas estruturais de comportamento e pensamento que foram disseminados ao longo da nossa educação. Essa não é uma tarefa fácil, mas é etapa fundamental.

Depois, eu mencionaria a criação de políticas e/ou normas na empresa que acolham as pessoas e fomentem um ambiente seguro, de confiança, escuta e valorização. É importante que haja uma atmosfera de segurança psicológica, principalmente.

Tudo isso se torna ainda mais efetivo quando combinado à programas que desenvolvam líderes empáticos, com critérios que contemplem a diversidade de gênero e outras que fazem parte do dia a dia da empresa.

Para finalizar, eu não deixaria de mencionar a criação de um programa de diversidade, com recursos dedicados a iniciar um plano de ação para ampliar a equidade de gênero. E que esta iniciativa se configure a partir de metas e métricas divulgadas aos diferentes stakeholders das empresas com determinada periodicidade, sejam eles investidores, acionistas, colaboradores e consumidor final. 

A importância do princípio da transparência nunca foi tão relevante no debate atual sobre o tema de maneira abrangente, seja ela de gênero e de outro tipo, com transparência, é a premissa para negócios verdadeiramente comprometidos em diminuir a distância entre intenções e ações. Não há o que esperar, agir é pra já.

*Pedro Melo é membro de Conselhos de Administração e Comitês de assessoramento ao Conselho, Board member do Advisory Board do 30% Club Brazil, acadêmico da Academia Brasileira de Ciências Contábeis (Abracicon) e da academia Paulista de Contabilidade (APC) e membro independente do Conselho de Administração do Banco Santander Brasil, coordenando também o Comitê de Auditoria. Em sua trajetória profissional atuou como presidente da KPMG no Brasil e na América do Sul, de 2008 a 2017, e como membro do global Board e do global Council da KPMG International, foi diretor-geral do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e dedicou-se à atividade de Auditoria Independente por quase quatro décadas. Em 2009 recebeu o “Prêmio Destaque IBEF” e em 2014 o “ANEFAC Profissional do Ano”, na categoria Contabilidade. Em 2018, foi laureado com a medalha "Presidente Annibal de Freitas".  Melo é formado em contabilidade e pós-graduado em análise contábil-financeira.