*Por Danielle Corrêa, advogada especializada em Direito de Família

Com certeza você já deve ter ouvido falar sobre o caso da família von Richthofen, que chocou o país inteiro em outubro do ano de 2002 e rende assunto até hoje. Nesse crime, o engenheiro Manfred von Richthofen, de 49 anos, e sua esposa Marísia, psiquiatra de 50 anos, foram mortos de maneira brutal dentro da própria casa, com golpes de barras de ferro e asfixia por toalhas molhadas e sacos plásticos.

O crime comoveu a todos diante da crueldade e ódio empregado, pois o casal apanhou muito antes de morrer e os corpos foram desfigurados. Os responsáveis pelo crime foram identificados como Suzane von Richthofen, a filha do casal, que na época tinha apenas 18 anos de idade; seu namorado aeromodelista, Daniel Cravinhos, de 21 anos; e o irmão de Daniel, Cristian, de 26 anos.

Desde então, suas causas, motivações e a execução do crime são pautas que ainda acompanhamos. Tanto é que essa história macabra rendeu não um, mas dois filmes lançados simultaneamente em 24 de setembro de 2021, quase 20 anos após a ocorrência do crime, sendo eles “A menina que matou os pais” e “O menino que matou meus pais”, ambos disponíveis na Amazon Prime.

Os filmes foram motivos de muita controvérsia pelo público, antes mesmo de sua estreia. Pessoas enfurecidas movimentaram a internet ameaçando boicotar os filmes, acreditando que eles teriam sido realizados a partir de acordos financeiros com os réus. Para acalmar os ânimos, os produtores divulgaram uma nota pública através das redes sociais informando que os roteiros foram escritos com base nos autos do processo, dos depoimentos prestados por Suzane e Daniel e que nenhum deles recebeu ou irá receber um centavo sequer da produção.

A versão do crime contada pela filha está disponível em “O menino que matou meus pais” e a versão de Daniel está disponível em “A menina que matou os pais”. A história narrada por ambos é a mesma, o que muda é a maneira em que os fatos são retratados, a partir do ponto de vista de cada um.

Na versão de Suzane, Daniel é um malandro esperto, que a envolveu em um relacionamento abusivo, a introduziu no mundo das drogas, a explorou financeiramente e a encorajou a matar seus pais. Já no depoimento de Daniel, Suzane é a mentora de tudo, foi ela, a jovem rica, problemática, que viu nele e em sua família humilde um porto seguro e o convenceu assassinar os pais dela que não viam com bons olhos o relacionamento dos dois.

Apesar da interessante proposta da trama, sabemos que na realidade, ao final do julgamento - que durou aproximadamente 65 horas e entrou para história da Justiça Brasileira -, Suzane e Daniel foram condenados a 39 anos e seis meses de prisão em regime fechado e Cristian a 38 anos e seis meses de prisão, também em regime fechado, pelo duplo homicídio que cometeram.

Pela perspectiva do Direito Civil, ao analisarmos a grandiosa herança que restou da família Richthofen, podemos imaginar que Suzane, como filha, seria herdeira legítima do patrimônio do casal assassinado. No entanto, em linhas sucessórias, os herdeiros indignos ou deserdados perdem o direito à herança, sendo que, em síntese, a deserdação ocorre quando anunciada pelo testador no testamento os motivos graves que justificam o afastamento do herdeiro do recebimento de sua herança, e a indignidade, quando o herdeiro pratica atos reprováveis em desfavor do Autor da Herança, cometendo contra este, atos contra a sua vida, honra e a liberdade que possui de firmar o testamento.

A indignidade, de todo modo, deve ser fundamentada em expressa previsão contida na lei, como, por exemplo, quando o herdeiro houver sido autor, coautor ou partícipe de crime consumado ou tentado, de homicídio doloso contra a pessoa que deixou a herança, que é o caso da filha do casal Richthofen, que arquitetou e colaborou friamente a morte dos pais. A herança, tanto no caso da deserdação, como no caso da indignidade, será partilhada apenas entre os demais herdeiros.

Mas, a indignidade não é automática. É necessário que o herdeiro seja considerado indigno através de uma sentença judicial. No caso em questão, seu irmão, menor à época, Andréas, era o único que poderia requerer e assim o fez, tendo Suzane sido considerada indigna judicialmente em 2015, não vindo a receber um tostão sequer da herança dos pais - estimada em aproximadamente 11 milhões de reais.

A situação mais interessante nisso tudo é que, quem pensa que Suzane saiu com as mãos abanando e está desamparada, engana-se. A avó paterna antes de vir a falecer deixou um testamento com um patrimônio avaliado em 1 milhão de reais para a criminosa poder recomeçar sua vida. Parece injusto, não? Mas infelizmente nossa lei nada proíbe quanto a isso.

Ao final, lembre-se que as versões dos filmes são feitas com base nos depoimentos prestados à Justiça e, tanto os irmãos Cravinhos, como Suzane, já teriam recebido muitas orientações de seus familiares e advogados sobre o que falar, como falar e “quando chorar”, se é que vocês me entendem.

*Danielle Corrêa é advogada desde 2007, com pós-graduação em Direito de Família e Sucessões. Membro da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

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