Daniel Medeiros*

Quando Moro despontou como juiz da Lava jato, junto com o Ministério Público e a Polícia Federal, fazendo tremer as estruturas de um poder carcomido por tenebrosas transações, o então presidente Lula falou da existência de uma “República de Curitiba”, em um alusão histórica à República do Galeão que, em 1954, realizou investigação paralela ao atentado contra o líder da UDN, Carlos Lacerda, e descobriu envolvimentos escusos dos bastidores do governo Getúlio Vargas, o que acabou desaguando no seu suicídio.

Ao dizer isso, Lula tentava desacreditar a operação Lava Jato, associando-a a uma conspiração golpista e comparando-se ao histórico Getúlio. Errou duas vezes. E também erraram os curitibanos que faltaram às aulas de História e acharam que a expressão “República de Curitiba” era um elogio. Encamparam-na e a inflaram a ponto de virar slogan, tendo o juiz não mais como funcionário correto e empenhado no exercício constitucional de suas funções, mas como uma espécie de super herói purificador. Bom, como sabemos, Lula foi preso, bolsonaro foi eleito e Moro aceitou assumir a pasta da Justiça com a promessa de expandir a ação contra os malfeitores da República.

E ele acreditou que isso seria possível, a despeito de bolsonaro chutar com vontade outros fundamentos da mesma República, como a de construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Moro achou que valia a pena, que era uma chance única e abraçou-a com a força dos ingênuos ou dos verdadeiros convictos. Pouco mais de um ano depois, veio a razão. bolsonaro pretendeu o que nem mesmo Lula e Dilma fizeram (ainda que provavelmente quisessem), mesmo torpedeados incansavelmente: interferir politicamente na Polícia Federal.

E mais, sem demora. Resgatou o discurso inicial, o critério de carta branca para dirigir a Justiça e a Segurança Pública na República e não na família do ex-capitão; de que manter sua biografia e não uma mancharia com dissimulações escusas e interferências indevidas. Que, enfim, não é mais aceitável fazer parte de um governo que vinha avançando, como uma sombra sinistra, sobre valores constitucionais mais caros do Estado Democrático de Direito - e desde o início do mandato.

Agora o Moro está fora do governo e atinge, com sua decisão, a credibilidade do presidente como uma bomba. Mas Moro não é um agitador, um terrorista. O que atinge o governo de bolso é uma coerência de um ministro que abriu mão da magistratura e da docência para investir em um projeto de melhoria da redução das ações dos agentes públicos e suas instituições. E que deixou o governo quando soube que isso não vai acontecer no governo bolsonaro.

Alguém ganha com isso? Eu não tenho dúvida em dizer: ganha uma idéia traçada pelos constituintes em 1988, nos termos do Estado de Direito, uma República Democrática, pautada pela lisura, Transparência e preocupação precoce em resolver problemas graves, como uma desigualdade social. Agora você pode voltar a ser um homem (para muitos, inspirado; para outros, inspirador) que deseja ser público. Se você voltar a ser decisivo para essa República, ou o tempo dirá.

* Daniel Medeiros é doutor em Educação Histórica e professor no Curso Positivo.