Por Alessandra Lehmen, Head do Comitê ESG do 30% Club Brasil.*
A transição para a economia de baixo carbono exige que as decisões de investimento considerem os riscos e as oportunidades relacionados às mudanças climáticas. O engajamento responsável de investidores junto aos emissores de valores mobiliários é fundamental para a implementação de práticas ambientais, sociais e de governança (ASG, e, em inglês, environmental, social and governance, ou ESG), e o Comitê ESG do 30% Club Brasil tem se dedicado a difundir essas questões nas empresas integrantes do índice IBrX100. O enfrentamento desses fenômenos é um dos maiores problemas coletivos da atualidade, e não se limita a aspectos ambientais: é transversal a todas as letras da sigla ESG.
Nos últimos anos, houve um alargamento do entendimento sobre os deveres fiduciários dos stakeholders institucionais, no sentido de exigir que a visão de longo prazo dos investimentos inclua as consequências dos fenômenos climáticos nos negócios relacionados com os ativos investidos. Entretanto, a frequência e a gravidade de mudanças ambientais físicas de grandes proporções obrigam apoiadores financeiros a repensarem suas estratégias. Riscos que antes pareciam distantes vêm se materializando no presente, afetando todos os setores da sociedade.
O Estado do Rio Grande do Sul sofre desde o final de abril de 2024 com inundações históricas e devastadoras, no que é possivelmente o pior desastre climático da história do Brasil. Não se trata de um acontecimento isolado: houve três outros eventos ambientais extremos no Estado desde junho de 2023, e é preciso considerar com seriedade a possibilidade de que esses desastres se repitam. São centenas de mortos e feridos e milhares de desalojados e desabrigados. O Estado apurou que 446 dos 497 municípios gaúchos foram atingidos pela tragédia. A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul estimou que as inundações atingiram 80% da atividade econômica do local, responsável por 6,6% do PIB nacional.
Nos últimos anos, os fenômenos climáticos deixaram de ser um tema de nicho, e ganharam manchetes e a opinião pública no mundo todo. Seus efeitos afetam populações inteiras – e, desproporcionalmente, as pessoas mais vulneráveis –, o setor produtivo e a prestação de serviços públicos. Dois conceitos básicos do combate a essas mudanças são os de mitigação e adaptação: mitigação é o objetivo de frear o aquecimento global, e adaptação, como o nome sugere, é o garantir que a sociedade tenha condições de adaptar-se àquelas alterações que já estão ocorrendo e que ainda ocorrerão.
Esses dois objetivos precisam andar em paralelo: de um lado, reduzir as emissões de gases de efeito estufa; de outro, investir em sistemas coordenados de prevenção e resposta a desastres, para minimizar seus efeitos catastróficos. O Brasil, como presidente pro tempore do G20 - que tem, sob a presidência brasileira, o desenvolvimento sustentável como uma de suas três dimensões prioritárias – e como país-sede da COP30, que acontecerá em 2025 em Belém, precisa urgentemente focar em adaptação, resiliência e vulnerabilidade urbana.
O objetivo do Acordo de Paris, principal tratado internacional sobre o combate às transformações do clima, é o de limitar o aquecimento global a 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais, ou, pelo menos, bem abaixo de 2ºC. No documento, os países informam suas contribuições nacionalmente determinadas (Nationally Determined Contributions, ou NDC), que são definidas de acordo com a realidade local, revistas periodicamente e precisam ser cada vez mais ambiciosas. Um tema fundamental nas discussões é o de financiamento climático, isto é, reorganizar a economia implica direcionar os recursos financeiros para promover a transição rumo a uma economia de baixo carbono. sobretudo em países muito dependentes de combustíveis fósseis, e o de perdas e danos, que envolve a transferência de recursos a países em desenvolvimento.
O Sexto Relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC AR6) informa que, desde 1850, o planeta aqueceu em média 1,1°C, e que o aquecimento médio global deve atingir ou exceder 1,5º C nos próximos 20 anos. O relatório alerta que a população afetada por enchentes e deslizamentos pode crescer entre 100% e 200% no Brasil, em um cenário de aquecimento global de 1,5ºC. Mas não é só isso. As mudanças climáticas também causam calor extremo, seca, incêndios florestais, danos à saúde física e mental, danos à agricultura e insegurança alimentar, aumento do nível do mar, perturbação de ecossistemas e impactos sobre cidades e infraestrutura. As estratégias de resposta, portanto, precisam ser coordenadas, e devem envolver não só o governo, mas também o setor produtivo e a sociedade civil.
Não agir contra as mudanças relacionadas ao clima custará mais caro do que agir. Por exemplo, um relatório dos Climate Change High-Level Champions da ONU estimou que o agronegócio poderá, até o fim desta década, perder 26% do valor de mercado, e sofrer um baque comparável ao do mercado financeiro na crise de 2008.
O cenário é desafiador, corremos contra o tempo, e há muito o que fazer em muitas frentes. Sob o ponto de vista das gestoras de recursos, pesquisa realizada pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) sugere que as questões climáticas não estão no radar dos investidores institucionais no Brasil. A publicação Retratos da Sustentabilidade no Mercado de Capitais revelou que a tomada de decisões de investimento baseia-se primordialmente em temas de governança, em especial transparência e ética. A pesquisa apontou, ainda, que há diferentes estágios de maturidade na adequação das práticas ESG nas 250 instituições respondentes, sendo que 67% estavam em estágio incipiente em temas de sustentabilidade.
Dados da pesquisa "Sustainability Policies and Practices for Corporate Governance in Brazil", da OCDE, apontam que questões relacionadas ao clima e os riscos associados não eram prioritários para os gestores de recursos. No entanto, a maioria dos participantes considerou esses aspectos ao realizar investimentos ou se engajar em atividades relacionadas.
Considerando esse pano de fundo, constata-se que há grande espaço para ampliar a atuação tanto de investidores quanto de investidas na agenda climática no mercado de capitais brasileiro. Um primeiro passo é considerar os riscos climáticos nas avaliações de investimento e monitorar os ativos investidos a partir das informações públicas disponíveis. A atuação também pode envolver diálogos colaborativos com a gestão da companhia, para contribuir para a elaboração de metas e planos de redução de emissões de gases de efeito estufa. Estes stakeholders podem, ainda, trazer pontos relevantes para discussão e deliberação dos acionistas em assembleia geral, participar das estruturas de governança corporativa das empresas e usar estratégias de litigância judicial ou extrajudicial para obter informações e promover ajustes de governança que contemplem essas questões.
Especificamente quanto a desastres, a Lei 14.750 estabelece, desde dezembro de 2023, que é dever do empreendedor público ou privado, de acordo com o risco de acidente ou desastre e o dano potencial associado do empreendimento, a adoção de medidas preventivas de acidente ou desastre, e o mercado de capitais, e o engajamento de investidores pode ajudar na criação de um plano de ação climática robusto e efetivo.
Os fenômenos ambientais são, potencialmente, o maior desafio do século XXI, que ganha contornos mais urgentes a cada dia, e o mercado de capitais desempenha função essencial no seu enfrentamento. Os financistas institucionais estão especialmente bem posicionados a, por meio do stewardship climático, influenciar positivamente a incorporação da agenda climática aos negócios de suas investidas, reduzindo externalidades, minimizando sua exposição a riscos e maximizando o aproveitamento de oportunidades, preservando os interesses dos beneficiários e contribuindo para o bem-estar climático e econômico da sociedade.
*Alessandra Lehmen é Head do Comitê ESG do 30% Club Brasil.