*Por Danielle Corrêa, advogada especializada em Direito de Família

Quando pensamos nos motivos que levam os pais a abrir mão de seus filhos, logo nos vem à mente a falta de recursos financeiros, porém, isso nem sempre será verdade. É claro que não podemos descartar que a pobreza e a falta de recursos financeiros seja uma das maiores causas que levam os pais a desistirem das suas responsabilidades. No entanto, não há como fecharmos os olhos para os inúmeros pais afortunados e endinheirados que também o fazem.

Apesar de parecer um enredo bem típico das novelas mexicanas, não é raro nos depararmos com casos em que o indivíduo adotado descobre que seus pais biológicos possuem um bom patrimônio, uma condição financeira próspera e estável, que por vezes, até mesmo supera a dos pais adotivos. E, sabendo disso, o filho pode passar a se questionar se terá algum direito à herança dos pais biológicos.

Como bem se sabe, os filhos são os “herdeiros de primeira classe” e concorrem com o cônjuge para receber a herança do pai ou mãe falecidos. A parte que cada herdeiro receberá irá variar conforme o regime de bens adotado no casamento, que destacamos ser, em sua maioria, a comunhão parcial.

Faço uma observação para dizer que o período em que se estabelece a sucessão e partilha dos bens geralmente vem acompanhado de muita tensão e discordância entre os familiares. Por isso, independente do formato familiar e da existência de filhos adotados ou não, recomendamos sempre que seja realizado um planejamento sucessório adequado entre os herdeiros, para evitar esse e outros tipos de atritos que possam surgir depois do falecimento dos pais.

Voltando ao que de fato interessa, no Direito atual, quando tratamos de filiação, observamos que não há mais qualquer distinção ou discriminação entre os chamados filhos biológicos e adotivos, sendo que todo direito concedido à um deverá se estender ao outro, de maneira equivalente.

A adoção, de maneira clara, cria um vínculo com alguém com quem não se há laço natural e genético, e, para que seja válida, deverá ser feita através da lei e por meio do procedimento estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente. Sendo cumpridas todas as formalidades do processo judicial, e ao fim, concedida a adoção através da sentença, será a relação consolidada e o filho adotado passará a ser “tão legítimo” quanto qualquer “filhos de sangue” daquele(s) adotante(s). Todos os direitos serão resguardados, em total igualdade. Inclusive, os que recaem sobre a sucessão, pois, falecendo um dos adotantes, o filho adotado será herdeiro legítimo.

O que não ocorre em relação aos pais biológicos quando acontece a adoção. Mesmo que o indivíduo conheça sua origem, não será considerado herdeiro necessário dos pais biológicos e sim dos pais adotivos, já que ao ser formalmente adotado, a criança ou adolescente rompe o vínculo jurídico até então existente com os pais biológicos, sendo os laços anteriores extintos, desfeitos, e, no caso do falecimento de um ou ambos destes, não subsistirá nenhum direito.

No entanto, a maior problemática encontrada no Brasil em relação à herança do filho adotivo não se relaciona àqueles que foram legalmente adotados, mas sim, aos que firmaram vínculo familiar através da adoção “à brasileira”.  A situação nesse caso é bem diferente.

Há casos em que uma criança é dada (ou tomada) para ser criada por outra família, sendo até mesmo registrada como filha biológica, integrante daquele novo grupo familiar sem passar por todo o procedimento previsto pela lei para a adoção. Essa prática é ilegal, e os pais biológicos tem o direito de reaver a criança, caso se arrependa ou prove ausência de consentimento para a adoção. Nesse caso, esse filho pode sim pleitear a herança dos pais biológicos, podendo, inclusive, ser feito o exame de DNA para comprovar a filiação.

Mas lembrando, claro, que essa não é a única maneira de apurar a paternidade, nem mesmo é obrigatório. Na verdade, o exame torna tudo mais fácil e rápido para descobrir a paternidade, mas é necessário que o filho busque o maior número de provas do parentesco com os pais biológicos para que o juiz possa concluir pela relação familiar.

No caso da investigação ocorrer após o falecimento dos pais biológicos e já houver sido feita a partilha dos supostos bens, o filho biológico poderá ainda se valer da petição de herança e da sobrepartilha.

No entanto, mesmo não seja esse caso e que a adoção tenha acontecido formalmente, isso não impedirá os pais biológicos, por livre e espontânea vontade, se assim quiserem, deixar alguma herança ao filho entregue à adoção. O ato poderá ser realizado em testamento, devendo observar o limite de 50% de seu patrimônio que pode dispor livremente, conforme se encontra no Art. 1.846 do Código Civil.

Doar patrimônio ao filho biológico não é uma obrigação. Porém, apesar de sabermos que valor algum poderá suprir os prejuízos da jornada daquele que é abandonado pelos pais, teremos que concordar que seria ao menos justa a compensação simbólica vinda pelo testamento, em razão da falta que cometeram na vida do filho ao não assumir suas responsabilidades.

*Danielle Corrêa é advogada desde 2007, com pós-graduação em Direito de Família e Sucessões. Membro da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

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