*Por Danielle Corrêa, advogada especializada em Direito de Família
Ao contrário do estereótipo pregado por aí, o idoso não se torna uma criança com o passar do tempo. Muito pelo contrário, as crianças estão conhecendo o mundo, desenvolvendo suas habilidades, enquanto os idosos carregam consigo uma bagagem de vida, experiências, histórias e capacidades adquiridas que devem ser valorizadas e usadas a seu favor.
Apesar da obviedade disso, muitos familiares, cuidadores, profissionais da saúde e até mesmo os amigos, por vezes, tratam o idoso como se fossem verdadeiros “bebezões”. De fato alguns idosos precisam de cuidados maiores, adequados às suas possíveis limitações, mas independentemente do seu nível de dependência funcional, o tratamento infantilizado não é recomendado e é considerado crime pelo Estatuto do Idoso.
É preciso lembrar que se trata de uma pessoa adulta e que por muitos anos em sua existência, determinou as rédeas da própria vida, fez escolhas, tomou decisões, teve desejos e não cabe a ninguém roubar essa dinâmica. Conseguem imaginar o que é para uma pessoa que carrega dentro de si todas as fases da vida, passar a ser invalidado pela idade?
É necessário distanciar a falsa junção do conceito de velhice e com o de doença, pois, não são sinônimos. Não necessariamente você vai chegar à velhice debilitado, isso vai depender muito de como foi toda a sua vida. Além disso, a maior parte da população idosa atualmente é extremamente ativa, tanto psicologicamente, como socialmente e economicamente.
Não podemos simplesmente achar que todos os idosos estão regredindo na linha do tempo, voltando à infância. Há uma linha muito tênue entre ser empático com a situação e infantilizar o idoso. Ser empático não é ser fofo, é ser coerente com aquela idade que você está lidando, enquanto infantilizar significa tornar-se infantil, fazer agir ou se comportar como criança.
A infantilização só aumenta a desvalorização dos idosos e cria falsas perspectivas quanto ao processo de envelhecimento. Existem inúmeros prejuízos quando o idoso recebe esse tipo de tratamento como, por exemplo, a depressão, que pode levar ao comprometimento cognitivo da funcionalidade, da autoestima, da confiança e da socialização.
Para que esse tratamento não aconteça, é preciso:
- Evitar expressões no diminutivo e mudar o tom de voz;
Muitas pessoas acham que devem tratar, agradar e reprimir o idoso no diminutivo, como se fosse uma verdadeira criança. Isso é uma porta de entrada para a depressão, pois o idoso começa a sentir que é incapacitado, o que o torna muito mais frágil do que realmente é.
Seja coerente com a pessoa. Se o idoso esqueceu-se de tomar seu banho no dia de ontem, fale como você falaria com qualquer outra pessoa, em tom de respeito. Se quiser elogiá-lo pelo bom humor, use adjetivos que usaria para enaltecer as qualidades de qualquer outro adulto. Se discordar do tom usado em uma conversa, fale pontualmente.
- Não falar apenas com o acompanhante e ignorar a presença do idoso;
Por vezes, as pessoas reportam-se aos familiares e aos cuidadores e não falam diretamente com idoso, deixando-o completamente confuso sobre eventos e fatos que estão ocorrendo na própria vida. É preciso ter esse cuidado para que as conversas e informações sejam repassadas de modo direto e claro à própria pessoa.
Infelizmente, isso acontece muito no contato com os profissionais de saúde, quando da consulta e são repassadas todas as informações ao seu acompanhante. Os profissionais, amigos e colegas devem sempre se lembrar de que o idoso está ali presente e deve ser informado sobre coisas de sua própria vida.
- Inserir o idoso em programas como shows, teatros, festas e viagens em família;
Não devemos desconsiderar suas decisões para uma série de eventos.Por exemplo, a família sai de férias e não inclui o idoso, apenas lhe informando que ficará em casa com um cuidador, sem perguntar se aquele idoso gostaria de participar. Muitas vezes eles de fato não querem ir, mas isso deve acontecer como uma escolha e não uma imposição.
- Conversar sobre temas da atualidade;
É importante que os mais jovens tirem um tempo para conversar e ambientá-los sobre assuntos da atualidade. É muito interessante deixar que ele se manifeste, contribuindo com a visão de mundo e compartilhando suas experiências.
Acontece muito do idoso não se lembrar dos últimos acontecimentos, dos últimos anos, mas recordar com muita precisão de como era a vida aos 20, 30 anos, lá atrás. Deixe-o contar! É uma prova de que você valoriza o conhecimento dele e sua posição na família.
- Não desconsiderar a opinião da pessoa e o histórico dela nas decisões;
Não podemos, de modo algum, nos colocar em superioridade ao idoso, conferindo a eles a incapacidade de administrar a própria vida. O exemplo mais comum a respeito disso, acontece quando o idoso morava com seu cônjuge e este vem a falecer. Os filhos não pensam duas vezes e chegam a conclusão que o mesmo não tem mais condições de morar sozinho e decidem se desfazer do imóvel e levá-lo para morar consigo.
Essa articulação para se desfazer da casa é muito triste, as famílias fazem com a maior boa vontade achando que o idoso vai ficar mais protegido, quando na verdade ele vai se sentir cada vez mais frágil, com a autoestima cada vez menor e mais incapacitado, como se a idade roubasse dele sua capacidade cognitiva.
Se possível, o melhor a se fazer é deixar o idoso em casa, no espaço, no cantinho dele, com as coisas que gosta. A família é que deve se adaptar para acompanhá-lo. É muito importante deixá-lo independente na medida de suas possibilidades, estimulando-o a fazer suas atividades, seus afazeres com normalidade, dentro daquilo que deseja e gosta. Isso é primordial para sua saúde e bem estar.
É importante ressaltar que isso não significa que você deve deixar de ser amoroso com os idosos. Pelo contrário, é perfeitamente possível ser afetuoso e empático com o idoso sem descaracterizar a sua identidade e a sua personalidade. Porém, não permitir que a pessoa idosa realize suas atividades, tome suas decisões, participe de atividades e seja chamada por qualquer adjetivo pejorativo, é violência emocional.
Tratar com carinho é permitir que, mesmo com dificuldades, a pessoa possa exercer sua autonomia e independência, quando possível.
*Danielle Corrêa é advogada desde 2007, com pós-graduação em Direito de Família e Sucessões. Membro da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).
contato@daniellecorrea.com.br