*Por Danielle Corrêa, advogada especializada em Direito de Família

A minissérie “Maid” é uma das tramas mais assistidas da história da Netflix. Baseada em fatos reais, retrata um dos piores e mais devastadores tipos de abuso - a violência silenciosa e de difícil detecção.

A protagonista Alex vem de um lar disfuncional, com uma mãe bipolar não diagnosticada e, portanto, não tratada, distante e autocentrada. Alex, por sua vez, não vê com clareza a família perturbada e abusiva da qual faz parte. Os abusos que sofreu na infância se tornaram um modelo de referência de como ser e viver, a ponto de repetir os cenários abusivos em seu próprio relacionamento afetivo na vida adulta.

A protagonista foge do companheiro Sean com sua filha, tal como sua mãe fugiu em sua infância. Ambas vítimas de violência doméstica por maridos violentos, agressivos e viciados em álcool. Sean até é um pai presente para a filha Maid, uma bebê de três anos de idade, mas sabe claramente que não tem condições de cuidar da pequena devido ao vício nocivo que sustenta.

No entanto, como forma de manipular e causar sofrimento em Alex, o pai de Maid trava uma batalha judicial para retirar a filha dos cuidados da mãe. A maior parte da série retrata a disputa judicial, os problemas emocionais e financeiros, a luta e coragem da mãe para ficar com a filha.

Essa história acontece no mundo real, com mais frequência do que você possa imaginar. Não são poucas as mulheres, que são manipuladas a permanecer em um relacionamento destrutivo e tóxico por medo de serem afastadas de suas crianças.

Há ainda resquícios de uma sociedade machista em alguns lares, que induz a mulher que está em casa, cuidando dos filhos, a pensar que seu valor social é inferior ao do homem que trabalha e possui renda. Algumas são tão manipuladas por seus companheiros e chegam a acreditar que nenhum “juiz” irá lhe dar a guarda por não ter dinheiro suficiente para se manter sozinha.

Sobre isso, convém explicar que de acordo com a nossa legislação, se demonstrada a dependência econômica da mulher que abandonou a carreira profissional para viver dedicada aos cuidados domésticos e aos filhos, caberá ao ex-companheiro, mesmo após o rompimento do relacionamento, ampará-la financeiramente, até que possa se recolocar no mercado de trabalho.

A falta de recursos financeiros não é causa para afastar a mãe do convívio familiar. Vários pontos serão analisados para proteger o melhor interesse da criança, e assim estabelecer a guarda. Para cuidar e proteger de fato uma criança será necessário suprir várias necessidades, não só financeiras, mas também físicas, emocionais, psicológicas e espirituais.

Se ambos os pais não puderem conviver em harmonia, para compartilhar a guarda, o genitor que melhor suprir, em equilíbrio, todas necessidades elencadas acima, é que de fato ficará com a guarda.

Para que uma mãe perca a guarda dos filhos e seja afastada, ao ponto de não ter mais contato com a criança, seria necessário ter havido uma falta gravíssima na sua atuação, que gerasse um grande prejuízo à integridade do filho. Caso contrário, basta que ela ofereça cuidado zeloso e amoroso para com a criança e esteja comprometida com os melhores interesses do menor.

Outro ponto alto da série e importante de ser mencionado pela perspectiva do Direito de Família é que existe uma confusão mental muito grande por parte das vítimas. Na série, a violência vivenciada não se revela em sua forma mais convencional: a física. Por isso, exige um esforço maior para ser reconhecida pela protagonista, que se questiona mais de uma vez, se de fato é vítima de abuso. No Brasil, a Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha, elenca não apenas a violência física como crime, mas também a violência psicológica, moral, patrimonial e sexual.

A violência psicológica é considerada como qualquer conduta que cause dano emocional e diminuição da autoestima, que prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento da mulher ou vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões. A minissérie é louvável, sensível, ao demonstrar o dia a dia de quem vive esse tipo de abuso. Nessas relações, a confusão que se passa na cabeça da vítima envolvida é mostrada por flashes de memórias da personagem, divididos em picos de muita felicidade, euforia, e outros em angústia e dor.

Sem contar o choque de realidade que temos ao perceber como a rede de apoio para esses casos é falha, tanto no que tange ao suporte governamental, como a falta de empatia e sensibilidade de amigos e familiares que inclusive, na trama, desacreditaram da protagonista e se solidarizaram com o agressor. A verdade é que Alex teve que se libertar sozinha do “cativeiro” emocional em que vivia, o que reflete a realidade de muitas mulheres.

Todos os dias cruzamos com muitas “Alex” por aí. Talvez seja a hora de olhar com mais sensibilidade e atenção ao nosso redor para aquilo que vivemos e para quem busca amparo, mesmo que silenciosamente, em nós.

A principal mensagem da série vale para todos, mas principalmente para quem está passando ou passou por isso: por mais esforço e coragem que sejam exigidos de uma mãe solteira, sem uma rede de apoio confiável, é possível sair disso.


*Danielle Corrêa é advogada desde 2007, com pós-graduação em Direito de Família e Sucessões. Membro da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

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