Cofundadora da Cervejaria ATRIUM relata situações enfrentadas por mulheres que atuam no setor

Foto: Paula Yunes, cofundadora da Cervejaria Atrium

Pesquisa realizada recentemente pela Kantar, apontou que as mulheres das classes A e B, que têm entre 40 e 49 anos, foram as principais responsáveis pela alta de 27% no número de consumidores de cerveja no terceiro trimestre de 2021 no Brasil em comparação com o mesmo período de 2019. Além de movimentarem financeiramente esse setor como consumidoras, as mulheres também estão assumindo cargos que, anteriormente, eram direcionados apenas ao público masculino.

No mercado cervejeiro, o público feminino está na produção, na área técnica e de inovação. Porém, mesmo atuando em postos de liderança, as mulheres ainda são subestimadas e enfrentam desafios diários relacionados ao gênero. Esse é o caso de Paula Yunes, cervejeira e cofundadora da cervejaria belga ATRIUM.

O interesse da brasileira por esse universo nasceu em 2013, quando trabalhou com as redes sociais de um e-commerce de cervejas especiais e decidiu fazer um curso de Sommelier de Cervejas. Um tempo depois, a profissional de marketing foi trabalhar em uma importadora de cervejas artesanais e, ao mesmo tempo, começou a fazer vídeos com dicas de harmonização. Os conteúdos renderam um convite para apresentar o programa de TV Cervejantes, da Globosat. Após a gravação dos 10 episódios no Rio de Janeiro, no final de 2015, Paula começou a atuar como embaixadora de uma marca de cerveja artesanal, representando a empresa em São Paulo. Também foi nesse ano que foi à Bélgica pela primeira vez.

Em 2016, Paula e seu companheiro decidiram se mudar para a Bélgica, pois ele havia recebido uma proposta para trabalhar em uma cervejaria e juntos fariam um curso para especialização na área. A ideia era retornar ao Brasil após dois anos e abrir uma cervejaria. Mas, o casal se mudou para uma cidade de 17 mil habitantes na província de Luxemburgo, que não tinha uma cervejaria local. Então, após desenvolver um plano de negócios, conversar com a prefeitura e levantar investimentos, o casal teve a ideia de fundar a Cervejaria ATRIUM.

“Desde a época da faculdade sempre gostei das cervejas de massa e me interessava por uma ou outra um pouco diferente, como as de trigo, por exemplo. Mas sempre que possível gostava de fazer os trabalhos de conclusão de semestre sobre cerveja ou bar. Quando comecei a trabalhar com o e-commerce, descobri o quão profundo era esse mundo e minha vida mudou. Estudei mais e a cada nova descoberta o amor pela cerveja cresceu. Logo que comecei a trabalhar com cerveja, após já ter atuado em outras áreas, falava que nunca mais poderia trabalhar com outra coisa”, completa a especialista.

Histórico do setor

Registros indicam que no passado, por muitos anos, a produção da cerveja era responsabilidade das mulheres, pois era considerada uma atividade doméstica, assim como cozinhar. Era comum que o pão e a cerveja fossem preparados simultaneamente, por possuírem praticamente os mesmos ingredientes. E, na Europa e América, as mulheres produziam cervejas especiais para acompanhar os alimentos e também para vender, complementando assim a renda familiar. Esse domínio feminino no setor só diminuiu no final do século XVIII, quando a produção da cerveja em larga escala se tornou um negócio rentável e foi assumida pelos homens.

Quando questionada sobre situações desconfortáveis que passou por ser uma mulher que atua no mercado cervejeiro, Paula diz que sentiu esse preconceito de gênero ainda mais forte quando mudou para a Bélgica. “Quando comecei a trabalhar com a produção, senti um impacto maior. Aqui as pessoas sempre partiam do pressuposto que se eu trabalhava com cerveja era por influência do meu marido belga. Porém, o que aconteceu foi praticamente o oposto. Muitas vezes já entraram na cervejaria, me viram e perguntaram onde estava o chefe, sendo que eu sou a chefe também. Em feiras cervejeiras, já escutei muita coisa, também pelo fato de ser brasileira e ter estudado no Brasil, sendo que aqui é um país tradicional cervejeiro e o Brasil não, então muitas pessoas desvalorizam o meu conhecimento automaticamente”, explica.

Para a empreendedora, o maior desafio das mulheres no mercado cervejeiro é ter o respeito dos colegas e dos clientes. “Muitos clientes ainda acham que cerveja não é coisa de mulher, então não querem ouvir explicações de uma mulher, mas quando um homem explica eles ouvem com atenção. Infelizmente, muitas mulheres perguntam se tem alguma cerveja para elas, já que são mulheres. Como se isso implicasse em outro tipo de produto! Eu sempre explico que não existe isso. Homens e mulheres podem gostar de todo tipo de produto. Bebemos dos mesmo vinhos e comemos as mesmas comidas. Então, por quê com cerveja seria diferente?”, ressalta Paula.

Mudança de cenário

Para tornar o mercado mais inclusivo, a cofundadora da Cervejaria ATRIUM opta sempre por contratar mulheres em processos seletivos para produção. Além disso, no ano passado, lançou uma cerveja chamada Brava, feita especialmente para o Dia Internacional da Mulher. A cerveja escura, forte e bem lupulada, foi desenvolvida por mulheres que trabalham na cervejaria, com o objetivo de quebrar o paradigma de que mulheres só bebem coisas leves e frutadas. Esse ano, a bebida ganhou uma nova versão e será comercializada em uma edição limitada.

“No meio cervejeiro, infelizmente, em quase 10 anos de carreira trabalhei com muito mais homens do que mulheres. Mas, as coisas estão mudando! Eu vejo que a cada ano que passa parece que mais mulheres estão se envolvendo e pouco a pouco ganhando mais espaço no meio cervejeiro. Em países onde o movimento cervejeiro artesanal é mais recente parece haver uma disparidade menor, como na Itália, por exemplo. Eu acredito que essa transição vá acontecer aos poucos. Conforme as mulheres forem se interessando e vendo que já existem outras mulheres que trabalham com cerveja, elas se sentirão mais e mais acolhidas nesse meio. Minha dica para as mulheres que querem trabalhar na área é: Vá com tudo! Não ligue para comentários depreciativos. Pense que o problema está na cabeça de quem tem preconceito e não em você. Faça tudo que tiver vontade”, finaliza a cervejeira.