*Por Danielle Corrêa, advogada especializada em Direito Médico e da Saúde

O acompanhamento médico e o parto hospitalar nem sempre foram uma realidade para as mulheres, na verdade, o que vivemos hoje é resultado de uma construção histórica. No passado, quando uma mulher estava grávida, ela buscava que o momento do parto fosse conduzido por uma parteira, que normalmente era uma mulher com conhecimentos de ordem prática, a qual desempenhava essa função ao longo da vida.

Contudo, no decorrer do tempo, a classe médica, juntamente com a Igreja e Estado, passou a ter mais interesse nesse processo, influenciando no afastamento desses profissionais. No período da Inquisição, as parteiras foram equivocadamente associadas por muitos aos processos de abortamento e outras práticas vistas como moralmente inadequadas. Essas mulheres foram perseguidas e, infelizmente, muitas foram mortas na fogueira como bruxas por conta do conhecimento e experiência que carregavam.

Assim, todo o controle reprodutivo foi transferido para a comunidade médica, que criou dentro da área cirúrgica o que hoje se chama de obstetrícia. Esse processo de “medicalização do corpo feminino” fez com que, em certo modo, a nossa sociedade perdesse um pouco da essência feminina nesse processo. Não se menospreza a necessidade e a importância da ciência, de um bom profissional da saúde para esse evento tão grandioso na vida de qualquer mulher, até porque, nada se compara a ter segurança e suporte no nascimento da criança. Entretanto, o que se questiona são as séries de intervenções “justificadas” pela ciência, mas que geram danos e severas interferências à autonomia da mulher.

A violência obstétrica é toda ação ou omissão que prejudique a mulher dentro do seu processo reprodutivo. Isso pode se dar de várias formas, como a verbal, em que a mulher é exposta ao ridículo, inferiorizada ou humilhada por sua condição pessoal ou pelas escolhas feitas acerca do parto. A violência pode também ocorrer de forma física e/ou sexual, quando a mulher é submetida às intervenções violentas e desnecessárias, sem o seu consentimento.

Além disso, há uma série de tratamentos negligenciados ou oferecidos à mulher em trabalho de parto que são extremamente prejudiciais, como: fazê-la deitar-se em litotomia – na vertical – quando se sabe que há outras posições anatomicamente mais confortáveis para o nascimento; abdicar analgesia quando solicitado; recusar água ou alimentos à gestante; deixá-la sem o direito de ter um acompanhante durante o parto.

É interessante citar outros exemplos, como nos casos de Episiotomia, que pra quem não sabe, é um corte feito na lateral da vagina da mulher, com o intuito de “abrir passagem” para o bebê. No Brasil, esse procedimento é praticamente um protocolo entre os partos, quando na verdade deveria ser feito apenas em casos muito extremos para evitar danos maiores. Quando é feito sem indicação, pode gerar danos irreversíveis pra mulher, como dores na hora do sexo ou até mesmo ao se sentar.

Outro procedimento que também costuma ser feito, é o chamado “Ponto do Marido”. O próprio nome já sugere o quão errado é essa intervenção. Corresponde ao ponto dado - na grande maioria das vezes, sem o conhecimento e consentimento da mulher - para apertar a vagina que supostamente teria ficado alargada após o parto. Como todos sabem, no momento que o bebê passa pelo canal vaginal, há sim um processo de dilatação, contudo, o corpo da mulher naturalmente voltará ao normal com o passar do tempo. Mulheres testemunham muitas dores após esse procedimento e extrema dificuldade na relação sexual. É uma prática absurda e extremamente machista.

Outra violência é a Manobra de Kristeller, que ocorre quando a mulher está em trabalho de parto e o médico ou as enfermeiras empurram a barriga para que o bebê saia a partir desse esforço externo - o que além de ineficaz é absolutamente doloroso para a mulher. Além disso, a própria cesariana também pode ser considerada uma prática de violência obstétrica, quando feita sem prescrição médica e sem consentimento da mulher. Atualmente, no Brasil, 90% dos partos do sistema privado e 55% dos realizados no sistema público são feitos através de cesariana, sendo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) entende que apenas de 10 a 15% das cesáreas, de fato, são necessárias e contribuem para a saúde da mãe e do bebê.

Vale a pena mencionar ainda que, quando não se permite que a mulher fique com seu filho logo após o nascimento, também pode ser considerado uma infração aos direitos dessa mãe. É bem comum que a equipe retire do local o bebê, impedindo esse contato pele a pele entre mãe e filho, muitas vezes nem informando para onde está levando o bebê, mas não deve ser assim, esse primeiro contato é indispensável. Além disso, alterar ou omitir informações para essa mulher, também é uma forma de violência obstétrica.

É importante lembrar que essas intervenções médicas desnecessárias muitas vezes contam com procedimentos urgentes e compulsórios da vontade apenas do médico, não da gestante. Independente da opção da mulher, pelo parto normal ou cesárea, ela sempre tem seus direitos resguardados. O Estado Brasileiro já traz legislação suficiente para combater essa realidade.

Então, a mulher que passou por alguma dessas situações, pode pedir ajuda a um profissional jurídico, que lhe acompanhe para fazer um Boletim de Ocorrência, ou procurar o Ministério Público, que também tem o dever de fiscalizar as instituições hospitalares. Assim como tem direito a ser reparada civilmente pela violação enfrentada, já que é um trauma que não deve ser impune.

*Danielle Corrêa é advogada desde 2007, especialista em Direito de Família e Sucessões e em Direito Médico e da Saúde. Membro da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

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